Esse texto ficou perdido na migração do blog mednuclear.net para este, mas achei que valia repostá-lo. O mais espantoso é que esta conferência aconteceu em 2015 e, infelizmente, não percebemos avanços significativos nestas questões.
Neste fim de semana, aconteceu a II Conferência Brasileira de Mulheres na Física
no Rio de Janeiro e foi maravilhoso. Gostaria de compartilhar algumas coisas que
aprendi por lá.
1. Estamos muuuuuito longe da equidade de gêneros na ciência, talvez mais
ainda na física. Não sabemos ainda o porquê disso, mas temos algumas
pistas. Primeiro que, historicamente, a ciência é androcêntrica e, para
mudar isso, precisaremos de um esforço de várias gerações para mudar os
estereótipos e vieses inconscientes que afetam as mulheres nesta área
(para saber mais sobre isso, leia The Myth About Women in Science? Bias in the Study of Gender Inequality in STEM ou busque por unconscious bias no Google).
2. Além dos "tetos de vidro" que temos que enfrentar em nossa carreira, que
dificultam ou até impedem nossa ascensão profissional, temos também
o "labirinto de cristal" que mostra a dificuldade não só de ascender, mas de
atuar nas áreas científicas. Representa as barreiras invisíveis que temos
que transpor (por serem de tipificação subjetiva, mas com danos reais).
3. Lancei um novo olhar para as cotas. O que hoje é ponto controverso, uma vez que está institucionalizado para ingresso em universidades (por exemplo), sempre existiu favorecendo uma parcela da população, notadamente, homens, brancos e ricos. Pensem comigo: se as cotas foram criadas para “favorecer” (falo aqui como é dito no discurso opositor as cotas) uma parcela da população, há uma pequena parte que sempre foi favorecida em vários gargalos da vida profissional e/ou acadêmica, não serão eles cotistas? Porque já está provado estatisticamente que se duas pessoas concorrem a um cargo e uma delas é um homem branco, este será preferido, seja lá qual for a posição que está pleiteando, na grande maioria dos casos (leia sobre o caso John x Jennifer).
4. É preciso, ao mesmo tempo, empoderar as mulheres e criar lugares de acolhimento de denúncias de assédio no meio acadêmico. A percepção do sexismo é obviamente maior entre as mulheres, então enquanto nossos colegas homens acham que estão “elogiando” ou “fazendo uma brincadeira”, as mulheres se sentem assediadas e humilhadas frente a seus pares. Por isso, precisamos de um espaço seguro para as mulheres para acolher queixas relacionadas a seus pares e mediar os conflitos de forma que não se repitam. E, não, isso não é exagero e é muito sério. Isso afasta as mulheres da academia (principalmente da ciência, onde esta segregação é maior), isso as adoece e, em caso extremos, as mata (é sempre importante lembrar que machismo mata, né?). Não acredita em mim? Ok, leia aqui, aqui e aqui.
5. O problema de gênero é um problema de toda humanidade. Vivemos um momento permeado pela violência e a desigualdade de gêneros contribui (e muito!) para esta violência. Se a sociedade não possibilita que uma mulher tão (ou mais) qualificada que um homem ocupe uma posição de destaque em sua área de trabalho, isso é de uma brutalidade gigante! Isso ceifa a possibilidade de produção e contribuição a própria sociedade por esta mulher, mina sua auto-percepção de eficácia, criando mulheres emocionalmente (e as vezes financeiramente) dependentes; reforçando o ciclo de violência alimentado pela ignorância e preconceito. A violência simbólica por falta de oportunidade (gerada pelo sexismo) é a geradora de violência física, pois dessensibiliza os homens sobre questões de gênero. Para finalizar, uso aqui as palavras da Lady Sybylla : “Ciência precisa de mulheres, negros, gays, trans*, toda a diversidade humana em seu meio, pois além de garantir sua contínua expansão garante que todos nós estejamos envolvidos em soluções de problemas, em descobertas, em novas fronteiras para a humanidade.” #respeitaasmina
*Texto originalmente publicado em http://www.mednuclear.net/2015/11/o-que-eu-aprendi-na-ii-
conferencia-brasileira-de-mulheres-na-fisica/
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