Criatividade parece não compor o mesmo quadro cujas normas, nivelamentos e padronizações apresentam-se enquanto “palhetas” de um cenário que, com o tempo, parece desbotar...
De fato, ao lembrar-me do livro “A corrosão do caráter”, de Richard Sennett, penso ser correto afirmar que não foram apenas as formas de produção e seu lebensstil que mudaram drasticamente ao longo do conturbado século XX. Basicamente a forma como interpretamos o mundo, como o codificamos, interagimos e nos lembramos dele também mudou. A expectativa de vida e, principalmente, de lugar econômico, social e político também se transformou. Entretanto, como Pierre Bourdieu sinalizou ser uma de suas problematizações sempre presentes aos objetos e fenômenos de seu estudo, algo se manteve; as “mutações” não foram (e não serão integrais), não atingiram à todas esferas dos espaços sociais.
Algo continuou a se reproduzir e a se manter enquanto parte de um capital que, ainda que de valor relevante às relações sociais atuais do nosso mundo, possivelmente acusará sinais de esgotamento. A educação é apenas um dos diversos cenários erigidos pelo homem que, em última instância é também peça integrante de um processo histórico cujo acesso não foi pensado para todos; e cujo domínio é cientificamente normatizado de forma a não reconhecer, e, portanto legitimar, formas diferentes de construção, fixação e reprodução do conhecimento.
Creio que a palestra de Sir Ken Robinson elucida muito bem parte deste pequeno ensaio, quase que com pretensões aforísticas, posto aqui. Para Robinson, o medo de errar, partilhado em nossa cultura capitalista e de consumo, tornou-se sinônimo de algo contraproducente. Acabou por limitar nossa capacidade criativa. Os antigos liceus produziram por décadas muitos dos protagonistas do pensamento intelectual mundial. Continuam produzindo... Mas já é notório que a produção do conhecimento nos últimos anos vem sendo realizada de maneira mais e mais rizomática. Criatividade talvez seja uma chave. Não creio ser ela a única, mas definitivamente a afirmação de Robinson, sobre a criatividade, de que “somos ensinados a abandoná-la” vale uma reflexão mais longa. Reflexão sobre a “inflação acadêmica” onde os “alicerces” da nossa educação podem estar se corroendo tanto quanto aqueles que já ruíram há tempos no mundo do trabalho, objeto de estudo de Sennett.
De fato, o que aprendemos nas escolas e nas universidades hoje pode ser averiguado quase que “em tempo real” através das telas dos computadores. As antigas enciclopédias que ocuparam estantes nas casas de famílias brasileiras de classe média alta não mais são necessárias, pois os irmãos caçulas destes estudantes checam as informações na web.
Muitos se perguntam quanto à credibilidade de algumas informações, ou à solidez do conhecimento e formação que são hoje pautados também pelos acessos e hits realizados no espaço eletrônico da internet. O receio, aliás, me parece ser mais balizado pela maior impossibilidade do controle deste processo (diferentemente quando apenas se dava através das instituições de ensino e pelo mercado editorial que registrava a informação), uma vez que tal poder vem se pulverizando mais e mais a cada dia. O que fazer? Pensemos todos na resposta, com “criatividade”.
Referências:
BOURDIEU, Pierre. PASSERON, Jean-Claude. (2011). A Reprodução: Elementos para uma teoria do sistema de ensino. 4ª ed. Rio de Janeiro: Vozes.
BOURDIEU, Pierre. (2003). A Economia das Trocas Simbólicas (org. Sergio Miceli); coleção Estudos. 5ª Edição. São Paulo: Editora Perspectiva.
_____________. (1994). Raisons Pratiques: sur La théorie de l’action. Col. Essais. Paris : Seuil.
ROBINSON, Sir Ken. “Schools kills creativity”. Technology, Entertainment, Design (TED) Conferences, 2006. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=0pn_oTIwy4g&feature=player_embedded#!
SENNETT, Richard. (2005). A corrosão do caráter: consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo. Trad. Marcos Santarrita. 9ª edição. Rio de Janeiro.
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