Recentemente, tive contato com a obra Obedience to authority de Stanley Milgram e fiquei chocada com o que somos capazes de fazer em nome da ciência e daquilo que nos mandam. Quando digo somos, digo consciente que nenhum de nós (seja lá em qual nível acadêmico estejamos) está livre de sermos engendrados em um contexto em que nos sintamos obrigados a fazer algo, mesmo que este algo seja deliberadamente antiético (por vezes até perigoso). Sendo assim, vale a pena refletir sobre a experiência de Milgram para que possamos estar atentos quando estas "oportunidades" nos surgirem.
OS PERIGOS DA OBEDIÊNCIAStanley Milgram
A obediência é um elemento tão básico, na estrutura da vida social como qualquer outro. Parte do sistema de autoridade é uma necessidade de toda vida comunitária e somente a pessoa que habita em isolamento não é forçada a responder, com desafio ou submissão, às ordens de outros. Para muitos, a obediência é uma tendência comportamental profundamente arraigada, chegando mesmo a ser um forte impulso que sobrepuja o treinamento em ética, solidariedade e conduta moral.
O dilema inerente à submissão à autoridade é tão antigo quanto a história de Abraão a quem Deus ordenou sacrificar se filho como prova de fé. A questão de saber se deve alguém obedecer ou não às ordens quando elas conflitam com a consciência foi discutida por Platão, dramatizada na Antígona de Sófocles e submetida à análise filosófica, em quase todas as épocas históricas. Os filósofos conservadores argumentam que a própria estrutura de sociedade é ameaçada pela desobediência, ao passo que os humanistas acentuam a primazia da consciência individual.
Os aspectos legais e filosóficos da obediência têm enormes conseqüências, mas esclarecem muito pouco sobre a maneira pela qual a maioria das pessoas se comportam em situações concretas. Realizei uma experiência simples na Universidade de Yale para testar até que ponto um cidadão comum poderia infligir dor a outra pessoa simplesmente porque essa ordem lhe foi dada por uma cientista experimental. A autoridade rígida foi oposta aos imperativos morais mais fortes dos testados contrárias a ferir os outros. Com os ouvidos retinindo com os gritos das vítimas, a autoridade vencia na maioria das vezes. A extrema disposição de adultos obedecerem totalmente ao comando de uma autoridade constitui o principal achado desse estudo: fato este que necessita, com maior urgência, de uma explicação.
Na experiência básica, planejada, duas pessoas chegam a um laboratório psicológico para participar de um estudo sobre memória e aprendizado. Um é chamado de “professor” e outro de “aluno”. O experimentador explica que o estudo diz respeito aos efeitos da punição no aprendizado. O aluno é conduzido a uma sala, senta-se-o numa espécie de miniatura de cadeira elétrica; seus braços são imobilizados para impedir movimentos excessivos e um eletrodo é preso ao seu pulso. Ele é informado de que ser-lhe-ão lidas listas de pares de vocabulários simples e que, então, será testada a sua capacidade de lembrar-se da segunda palavra de um par quando ouvir novamente a primeira palavra. Sempre que cometer um erro, receberá choques elétricos de intensidade crescente. Entretanto, o verdadeiro objeto dessa experiência é o professor. Depois de presenciar o aluno sendo amarrado, ele senta-se diante de um impressionante “gerador de choques”. O painel de instrumentos consiste em trinta interruptores de alavanca dispostos em linha horizontal. Cada interruptor tem claramente marcada a designação da voltagem,que vai de 15 a 450 volts, com descrições verbais que abrangem desde Choque Leve a Choque Moderado, Choque Forte, Choque Muito Forte, Choque Intenso, Choque de Extrema Intensidade e, finalmente, Perigo: Choque Grave.
Dá-se a cada paciente um choque de amostra de 45 volts, antes dele agir como professor e o solavanco fortalece a sua crença na autenticidade do aparelho. O professor é um paciente realmente ingênuo que veio ao laboratório para essa experiência, em resposta a um anúncio colocado num jornal da localidade solicitando voluntários para um estudo científico da memória. O aluno, ou vítima é, na realidade, um ator que não recebe nenhum choque. O objetivo da experiência é ver até que ponto uma pessoa prosseguirá numa situação concreta e mensurável em que lhe é ordenado infligir uma dor crescente numa vítima que protesta
O mais impressionante desta experiência é que 2/3 do grupo estudado enquadraram-se no grupo de "obedientes", ou seja, impingiram choques elétricos só porque estavam sendo ordenados a isso. Em 2009 a BBC repetiu a mesma experiência com 12 indivíduos e somente 3 recusaram-se de prosseguir com a experiência. O resultado pode ser visto no vídeo abaixo.
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